BUDAPESTE


Quando se trata de adaptações de livros, raramente algum filme consegue chegar perto da qualidade da obra literária, não só pela riqueza de detalhes que o livro trás, mas também pela questão da interpretação do diretor e a forma de se construir tais idéias em imagens.

Em Budapeste, Walter Carvalho - mais conhecido como diretor de fotografia de filmes como Carandiru, Central do Brasil e outros filmes bem sucedidos por aqui – mostra claros problemas para conduzir o que Chico Buarque colocou através das palavras e o exercício de metalinguagem.
Partindo do conceito que é uma história narrada em primeira pessoa, mas aparentemente conduzida por alguém que não existe, já que o personagem de José Costa, interpretado por Leonardo Medeiros é um escritor fantasma (escritor que dá a autoria de sua obra encomendada a quem o paga), o filme tenta parecer como uma viagem introspectiva da crise de um homem, sobre reconhecer e ser reconhecido.

A verdade é que o filme oscila bastante nas propostas e nesta confusão, ele por vezes parece bem artificial e moldado até demais. Existe uma proximidade maior com o cinema argentino ou europeu pela linguagem cinematográfica e narrativa, mas é uma escolha ordinária, caindo na previsibilidade diversas vezes, apesar de alguns acertos aqui ou ali.
Por mais que o projeto pareça ousado, o que falta no filme é ousadia. Em seu último ato, o filme coloca em prática a metalinguagem e parece funcionar melhor, mas não consegue tirar o peso colocado por todo o resto completamente.

Faltou ao filme uma clareza maior para guiar o espectador sobre o que é o texto e o que é a realidade do personagem. Pois, o espectador pode seguir um fio condutor e parar em algum ponto, confuso e em seu último plano, achar que se trata de uma piada. Talvez com um pouco mais de ousadia e clareza entre o texto, o filme teria funcionado de uma forma mais eficaz.

★★
Budapeste (Budapest, Brasil/Hungria/Portugal, 2009) de Walter Carvalho

A EDUCAÇÃO DE CHARLIE BANKS


Caro leitor, caso você tenha algum sentimento ruim por Fred Durst, vocalista do grupo Limp Bizkit, é necessário voltar ao zero para assistir a estréia do cantor como diretor de cinema em The Education of Charlie Banks. Durst dirigia os vídeos de sua banda e os marcava pela ousadia técnica e a fuga dos clichês. E em seu primeiro filme a história se repete.

Durst retrata com fidelidade a atmosfera de Nova Iorque durante os anos setenta, época que o inteligente Charlie Banks testemunha um brutal espancamento durante uma festa, por Mitch, um garoto de sua vizinhança, que se interessava em caçar garotas e bater em garotos. Com as imagens presas à sua mente, ele decide ir até a polícia e contar o caso.

Em devidas proporções, é algo que muitos adolescentes encaram; que é o convívio com uma espécie de trauma intenso e que pode aparecer quando você menos espera. O relacionamento de Banks e Mitch, que se reencontram anos depois, quando ambos já estão na faculdade é com uma bomba relógio, apenas esperando para jogar tudo pro alto. E é ai que a mão do diretor pesa, acompanhado de um elenco bem preparado.

O desespero de Banks é conduzido de uma forma que o espectador entre de fato nesse suspense, não com uma simples ansiedade de que tudo se resolva no clímax e uma fácil resolução e sim por um envolvimento completo na trama. Jesse Einsenberg se mostra um digníssimo ator, pois a naturalidade parece passar dos poros da face do ator.

Enquanto nós, espectadores, esperamos por tal explosão, acabamos ganhando uma história de reconstrução e renovação de vida. Com a mente conturbada, Banks parece preso a um pré-julgamento e sem forças para uma nova chance. É uma história sobre uma fase de transição, onde a brutalidade dos fatos moldam o caráter do personagem principal.

É lógico que como todo diretor estreante, Durst quer mostrar para o que veio – Ele aposta em movimentos de câmera, elipses, trilha sonora classuda, planos bem estudados e se dá bem. Consegue a naturalidade necessária para um bom andamento.

A história de Charlie Banks foi feita para ser desconstruída como o próprio personagem sugere durante o filme. É uma história sobre crescer; Sobre um período conturbado, sobre a submissão, misericórdia e a falta de limites que os jovens só aprendem mesmo na prática. A descoberta sexual e o uso de drogas estão lá também, mas não foram feitas para causar alarde, são meros coadjuvantes, pois o que está fora dos personagens não importa muito para Durst e sim, o que está prestes a explodir dentro deles. Durst mostra um futuro promissor atrás das câmeras. E não espere alguma música do Limp Bizkit...

★★★★

A Educação de Charlie Banks (The Education of Charlie Banks, EUA, 2008) de Fred Durst 

CAOS CALMO



Não é só pela nacionalidade que o diretor Antônio Luigi Grimaldi se aproxima com os diretores do neo-realismo italiano. O novo filme de Grimaldi, Caos Calmo, usufrui da influência do movimento cinematográfico pós-guerra por quase toda exibição.

Para contar a história de Pietro Paladini, profissional de uma empresa em crise, marido e pai, que ao perder a sua esposa repentinamente, resolve mudar os seus valores. O diretor usa o exercício de desdramatização e resolve focar a ação toda na mente do espectador apenas. Na tela, o retrato do cotidiano e da rotina de Paladini, que passa seus dias sentado em um banco da praça em frente ao colégio de sua filha.

As pessoas vêm e vão. É lógico que o diretor utiliza alguns personagens fixos para fugir um pouco do neo-realismo e alguns momentos de emoções explícitas do personagem, Porém, o caos sugerido pelo título vem do espectador, mesmo com a percepção do personagem principal. Em paralelo, vemos os interesses desses personagens secundários em relação a Paladini, seja profissionalmente ou emocionalmente.

O encadeamento frouxo da narrativa sugere uma participação total do espectador durante a exibição. Pois durante a espera de Paladini, o filme mostra momentos de uma ternura diária, de uma rotina que serve para Paladini se colocar em um ponto necessário para não explodir, algo que os humanos estão acostumados a fazer: Esconder da própria dor com fatores urgentes e muitas vezes superficiais.

★★

Caos Calmo (Idem, Itália, 2008) de Antônio Luigi Grimaldi

MILAGRE EM ST'ANNA


Adaptado do romance de James Mcbride, Milagre em St'Anna mostra como Spike Lee consegue colocar o seu foco em diversos aspectos sociais contemporâneos em um filme que se passa durante a segunda guerra. Mas o que poderia usar a guerra apenas como pano de fundo, Lee consegue usar a luta contra o exército de Hitler como uma grande lavanca para justificar a carga dramática entre a relação dos soldados.

A nonagésima segunda divisão de infantaria americana, mais conhecida como Buffalo Soldiers, composta por soldados negros apenas, após ultrapassar a fronteira do exército alemão vão parar em um vilarejo italiano e são obrigados a enfrentar não só o racismo vindo do próprio exército americano, mas a desconfiança clara dos fascistas não declarados da terra da macarronada através do convívio obrigatório.

E como em toda guerra, inocentes são atingidos pela opressão, pelo ódio, por balas e por interesses. Alguns perdem pessoas mais próximas e outras viram álibis. E destas duas formas que o diretor conduz o exército a revelar o que há em qualquer coração de maneira bastante emotiva: O amor e o ódio.

E na Itália, um país que tem sua esmagadora maioria católica, quem mostra ter fé mesmo são os soldados americanos, que no geral não se desprendem do espiritual e da inocência sugerida por Jesus. Mas todo o peso da guerra parece ameaçar a inocência do coração do garoto Ângelo, que assistiu a terríveis massacres do exército de alemão, mas que se acalma quando o amor ao próximo surge o mantém vivo e são no meio do até então desconhecido caos.
Mas não se trata de uma história sobre a perda de inocência. Spike Lee não tem um único foco, ele consegue abrir um leque e cria laços com cada personagem a ponto de criar pequenos núcleos para cada um deles, com personagens e emoções distintas, mas que possui uma automática ligação com o resto do grupo.

A influência do cinema de Martin Scorsese é explícita. A atmosfera e cada plano do filme respiram elegância, mesmo com a imundice humana clara a cada corte. Milagre em St'Anna é mais que a união entre a fé e o desespero. É uma detalhada forma de se retratar a segunda guerra e os interesses maiores que ordens dos respectivos chefões. Os lados da moeda e o que cada um há de colher.

★★★★
Milagre em St'Anna(Miracle at St. Anna, EUA/Itália 2008)de Spike Lee

A BANDA



Para analisarmos os comportamentos e as idéias de homens de idades diferentes, nada melhor que colocarmos todos eles juntos e isolados do resto do mundo. E daí vem o grande ponto para a explosão contida do roteiro de A Banda, filme dirigido por Eran Kolirin, com bastante delicadeza, mas sem perder o fio da dramaturgia.

Esta banda tem uma apresentação marcada na inauguração de um centro cultural árabe em Israel. Já nos segundos iniciais, a primeira barreira burocrática, já os coloca no caminho errado. As barreiras sociais e comportamentais são apenas leves brisas que se tornam em uma tempestade para quem não perde a rédea principal do filme. No jogo de cintura a banda consegue chegar a Israel, mas logo percebem que estão perdidos, no meio do deserto. Por mais que possa haver uma conotação religiosa e política no meio dessa jornada, ela se confunde com a urgente modernidade e a tecnologia falha desta perdida cidade Israelense pálida, sem muitas cores e distante.

Entre a barreira da língua da banda e dos nativos, a diferença de idade entre os integrantes e traumas da vida, poderiam criar o conflito necessário que é trocado pelo silêncio. O que, de certa forma, trás um desespero maior para a banda e para o espectador. Obrigados a passar a noite em locais diferentes, podemos conhecer um pouco mais de cada integrante, com leves pinceladas de acordo com a importância do personagem para a trama, mas sem tirar o brilho de cada um.

Os mais novos inexperientes tiram proveito da noite de folga para aprender ou adquirir mais experiência. Os mais velhos, contemplam por quanto tempo ainda estarão na terra. Isso tudo é da interpretação de cada um na verdade, pois Eran prefere deixar um livro aberto para diversas interpretações.

O filme é como uma viagem de ônibus ou um passeio na rua, onde podemos olhar para uma pessoa e tentar adivinhar de onde ela é, por que ela está ali e como ela se sente. Tudo com extrema delicadeza, mas sem perder por um momento o fio condutor de toda história, que é o amor pela música, que por quase todo filme é inexistente, apenas as que estão justificadas em cena. E esse passeio pode ser político, sentimental, para sobrevivência, amor ao próximo, o que for. Erin fez uma delicada obra-prima em sua estréia como cineasta e que merece atenção.
 
★★★★
  A Banda (Bikur Ha-Tizmoret, Israel 2007) de Eran Korilin

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