MAGIC MIKE


Após declarar sua aposentadoria em 2010, Steven Soderbergh (Sexo, Mentiras e Videotapes, Onze Homens e um Segredo) contrariou a estimativa e ampliou o leque de possibilidades com mais alguns filmes utilizando a paródia como ponto central. A Toda Prova (2011) talvez seja a leitura hermética de sua proposta, porém, Magic Mike está no poço como produto, narrativa e deboche.

Ao retratar a rotina de um grupo de strippers de um clube mediano, Soderbergh entrega um filme de narrativa dormente - pela clara fuga da obviedade, Magic Mike pouco se aproxima de seus personagens e de uma decupagem comum. A câmera está livre para se deitar onde e como quiser, mas aqui, o voyeurismo parece ferramenta maior. Os shows ganham mais tempo de exibição que os conflitos que apontam a persona de cada dançarino.

Channing Tatum e Matthew McConaughey entregam interpretações impressionantes - ou pelo menos servem de contraponto para a atuações hermas de um grupo de coadjuvantes. E conte este como o único suporte para o desenvolver narrativo. Temas comuns deste nicho como o desejo feminino, dinheiro e drogas são praticamente impostos de modo superficial pelo diretor, longe da naturalidade ou até mesmo de um enredo caricato.

Como exercício estilístico, Magic Mike é inferior ao já citado A Toda Prova, longa antecessor às aventuras dos strippers. Aliás, Mike podeservir como uma continuação natural deste conceito, pois Soderbergh continua displicente ao desenvolvimento e consequentemente ao mercado, alvo principal do diretor nesta sequência de filmes que propõem, em diversas óticas e gêneros, o adormecer de nuances melodramáticos ou clichês de ação através de caricaturas. Desta vez, a piada não funcionou.

Magic Mike (Idem, EUA, 2012) de Steven Soderbergh

ELEFANTE BRANCO


Afirmar a simplicidade do passeio da câmera de Pablo Trapero pelas vielas de uma favela localizada às bordas de uma cidade oculta em Elefante Branco seria injustiça. Ela se distância da confusão literal – tiros, sujeira, a falta de espaço -, porém, busca captar o caos reinante nesta comunidade que espera se mudar em breve para um conjunto habitacional que batiza o filme selecionado para a mostra Un Certain Regard no  Festival de Cannes deste ano.

Trapero é sagaz ao alinhar a ideia de autoridade entre polícia, igreja católica e políticos. Mais ainda quando os posiciona como corruptos e igualmente silenciosos para manter o bom mocismo. Céu e inferno se encontram constantemente e ilustrados quando Trapero acha conveniente – funcional, ainda que sirva como elemento batido em filmes deste novo subgênero datado por Cidade de Deus de Fernando Meirelles. Deus para a igreja católica está no homem, na violência para a polícia e na burocracia para a política. Ambos ganham justificativas para seus erros assim.

Mesmo batido pela mesmice em filmes que abraçam a sujeira como elemento lírico e estético – Miss Bala, Tropa de Elite ou o próprio Cidade de Deus, Elefante Branco serve como catapulta para a análise existencial no engajamento social e suas vertentes obscuras.

Ainda que siga a linha pessimista sobre o futuro da humanidade, o longa nos oferece opções em quem se deve acreditar (ou enganar). Como formas de aliviar o peso do cotidiano, a consciência e a dor da impunidade e da injustiça.

Elefante Branco (Elefante Blanco, Argentina/Espanha, 2012) de Pablo Trapero

HOLY MOTORS


Um deleite para os olhos e mentes. Uma explosão de metáforas e analogias cronometradas usando o cinema como matéria-prima. Holy Motors parece como uma batida de carros ou um show de fogos de artifício. Parece rápido e brusco o bastante para te pertubar ou deixar cicatrizes.

Léos Carax, que volta a dirigir um longa-metragem após treze anos, faz referência às próprias obras antes mesmo de questionar ética e política nos gêneros do cinema. Vemos todos eles, um a um, sendo destrinchados imagética ou metaforicamente  Do avanço tecnológico que permite o uso do 3D ou de efeitos especiais até os primórdios cinematográficos, o que prevalece em Holy Motors é o sentido que a cada sequência a ilusão, jogo maior desde A chegada do Trem de 1896 dirigido pelos irmãos Lumière, continua intacta. Afinal, a cada "missão" cumprida por Oscar (Denis Lavant em excelente trabalho com nome de duplo sentido banal e igualmente interessante), estamos diante de um fragmento narrativo pronto para nos engolir.

Este jogo instiga os questionamentos básicos do valor e função da arte, porém, Carax é cético diante de um mar de análises: Holy Motors é (ou foi) feito para o entretenimento à priori. Seu ritmo é coreografado como uma sequência musical ou uma fuga em um proto-suspense; inacessível como o romance entre homem e macaco ou alusório como a reinvenção caótica de Adão e Eva. E dessas (im)possibilidades o cinema é feito.

O que torna Holy Motors um filme tão impactante é a maneira que aborda este truque. A riqueza de detalhes que surge da óbvia aproximação com o real à falha humana que possibilita os 24 quadros por segundo, ou seja, o cinema, existir. Aqui vemos o óde à ilusão, à paixão, à magia. A declaração de um realizador para o seu público, como um convite simples: "Vamos conversar sobre cinema?"

Holy Motors (Idem, França/Alemanha, 2012) de Léos Carax

SUDOESTE


Por se tratar de uma história universal, Sudoeste ganha identidade pela ausência. Fora as referências claras do histórico nacional – que logo remetem à rápida associação ao cunho social e ao espaço cênico -, vemos uma narrativa tipicamente brasileira pela analogia da falta de uma região que batiza o longa vencedor dos prêmios FIPRESCI no Festival do Rio de 2011 e Andrei Tarkovsky no Festival de Zerkalo, dirigido por Eduardo Nunes.

Esta ausência é cristalizada lentamente durante o filme. Dos travellings e dollys que abraçam o cinema do próprio Tarkovsky ou de Béla Tarr e o tom de fábula – constantes do chamado novíssimo cinema brasileiro em filmes como Mãe e Filha e Histórias que Só Existem quando Lembradas, Sudoeste ganha ares de sonho e magia, mas apenas a magia seguirá intacta em seu desenvolvimento. Elipses espelham traumas e a infância pode ser culminada rapidamente. Início e fim ganham senso de unidade, afinal o tempo em Sudoeste é subjetivo. Neste terreno, a natureza ainda prevalece ante ao homem, matéria e espírito ganham mesma ótica de análise e o humano, a junção, ganha a multiplicidade analítica.

O tempo é o grande gancho do quebra-cabeça guiado lentamente por Nunes. Pois nele descobrimos como a alma de Clarice (Regina Bastos, Simone Spoladore, Raquel Bonfante) é desgastada. Através do tempo vemos a crueldade aqui amplificada num vilarejo desconhecido. Este que possui características de sertão, porém ainda é abastecido por um lago. Além de bela metáfora sobre a vida da protagonista, esta observação geográfica cabe ao método de Eduardo Nunes que em nenhum momento larga o viés contemplativo, de sequências demoradas, aliviadas apenas para Clarice pela magia – o encontro entre as duas ideias apesar de certa irregularidade, funciona.

Sudoeste está no contraste que separa sonho do pesadelo (real). O filme mora na necessidade de um apoio – incluindo o espectador – para total compreensão da liberdade, esta que culmina em atitudes despudoradas.

Sudoeste (Idem, Brasil, 2011) de Eduardo Nunes

FESTIVAL DO RIO - PARTE 4

Aqui, a quarta parte com críticas.


O Verão de Giácomo (L'Estate Di Giacomo, Itália/Bélgica/França, 2011) de Alessandro Comodin
"Viva os pequenos prazeres da vida". Este é o lema do filme logo jogado na tela, onde Giacomo, um garoto surdo, faz um solo imperfeito de bateria.  A partir daí acompanhamos Giacomo e sua amiga Stefania em trilha numa mata que termina em um paradisíaco rio. A câmera trôpega de Alessandro Comodin  não sabe se abraça seus personagens ou os desdenha. Cria diversas formas de pregar sua mensagem - guerra de lama, ofensas, brincadeiras infantis ou um passeio de bicicleta. Giacomo de inspiração vira inimigo de seu ideal. A certeza é que em poucos minutos de filme estamos diante de um exercício monótono que logo se transforma em tortura.
Post Tenebras Lux (Idem, México/França/Holanda, 2012) de Carlos Reygadas

A comparação imediata do cinema ao sonho é colocada em cheque por Reygadas na primeira sequência de seu filme - aqui, cinema é pesadelo. Numa sociedade refém dos vícios, da luxúria e da violência, o roteiro não teme em defender valores ditos antiquados de maneira lírica - comum na carreira do diretor - e explorar a multiplicidade da arte (elasticidade do tempo e tridimensionalidade, para citar alguns) para bater o martelo mesmo com tropeços na pretensão: o inferno é aqui. Post Tenebras Lux deu a Carlos Reygadas o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes deste ano.

Deixe a Luz Acesa (Keep the Lights On, EUA, 2011) de Ira Sachs

A crise de um relacionamento instável por conta do vício das drogas e da constante desconfiança não faz Deixe a Luz Acesa despertar. Sempre dormente, o longa se arrasta entre idas e vindas, decepções e promessas. O diferencial - ser um drama gay - não apaga os macetes melodramáticos que o filme de Ira Sachs propõe, afinal, não se diferem em nada de um drama convencional.
 O Gorila (Idem, Brasil, 2012) de José Eduardo Belmonte

Esqueça o conto de Sérgio Sant'anna que batiza o filme. O roteiro escrito por Claudia Jouvin se concentra em um thriller ritmado e com boas inserções de humor e deixa de lado a análise da solidão da vida urbana ou o lado patético dO Gorila, vivido por Otávio Muller. Aqui, José Eduardo Belmonte não está intencionado a desnudar identidades ou laços folclóricos de metrópoles e sim encaixar peças num quebra-cabeças aberto ao sonho, à elasticidade temporal e ao deboche, característica do cinema de Belmonte. Um ótimo exemplo da diferença entre literatura e cinema como forma de linguagem.
 Erros do Corpo Humano (Errors of the Human Body,  Alemanha/EUA, 2012) de Eron Sheean

Impressiona como Erros do Corpo Humano consegue unir clichês básicos da ficção científica ao método saturado de desenvolvimento narrativo moderno. A obra de Eron Sheean consegue desenhar seu destino com dez minutos de projeção e por todo restante faz confirmar o que há previsto, mesmo com pequenos flertes com o lúdico - único acerto do filme. Imagens definitivamente não chocam mais como antigamente.

O Som ao Redor (Idem, Brasil, 2012) de Kléber Mendonça Filho

Ao contrário do que possa imaginar O Som ao Redor é um filme palpável. Seus enigmas são mutantes, podem se mover e falar em uma cena e na sequência seguinte podem se transformar num cão que ladra sem parar, na obra que também sinaliza o crescimento desenfreado do mercado imobiliário da região ou num vizinho barulhento. E o campo que Kléber Mendonça passeia com liberdade, adulterando gêneros e códigos do cinema acaba por dar ao público algo que o cinema de Alfred Hitchcock nos presenteava – a sensação de plenitude no momento certo, a ilusão de continuidade e de jogo com o público.


Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild, EUA, 2012) de Benh Zeitlin

O lado lúdico que reflete metáforas sobre a ideia de renascimento não apaga o peso melodramático que o filme carrega. Remetente às tragédias ocorridas no oriente e principalmente em New Orleans - transparecido pelo espaço cênico -, Indomável Sonhadora exagera e mal traça informações sobre seus personagens. O que vale aqui é a superação em um tempo onde o conflito não se personaliza.

A Quinta Estação (La Cinquiéme Saison, Bélgica/França, 2011) de Peter Brosens e Jessica Hope Woodworth

Remetente ao cinema de Roy Andersson, A Quinta Estação desconstrói  em simbolismos um tempo onde o governo tomará o que resta da população, onde a tolerância é nula, onde a religiosidade leva todos à cegueira e violência e burocracia são os caminhos para resoluções magras e pouco animadoras. A questão deixada por Brosens e Woodworth é: estamos neste tempo? A Quinta  Estação é  um filme que instiga e, mesmo com seus problemas de ritmo, exige do espectador e o coloca como objeto de estudo junto aos seus personagens.
OS Maus Não Merecem a Paz (No Habrá Paz Para Los Malvados, Espanha, 2011) de Enrique Urbizu
A tênue linha que separa o heroísmo do marginal em Os Maus Não Merecem a Paz transparece a fraqueza do sistema de segurança espanhol. Casos policiais sempre são travados pela parte burocrática e a lei que favorece a lentidão. A trama que em seus primeiros minutos tomam um rumo interessante logo desemboca na mesmice do gênero transformando o filme em uma cópia de um enlatado americano qualquer.
Tempestade na Estrada (Cloudburst, EUA, 2011) de Thom Fitzgerald

Por ter duas senhoras lésbicas como protagonistas da história, Tempestade na Estrada não tem amarras com a censura mesmo com o método batido das comédias americanas - tempo para o pastelão, para contemplar e principalmente, o apelo para abraçarmos os personagens através da associação. E seu lado anárquico pesa para a leveza e ritmo do filme. Um pequeno achado.

MOONRISE KINGDOM


Para os familiarizados com a obra de Wes Anderson, degustar Moonrise Kingdom torna-se uma tarefa mais fácil e menos prazerosa. Pois lá está a estética ensolarada e personagens que salientam o cômico pelo porte caricato – onde diversas vezes o silêncio, suportados pela imagem, levam ao riso. Também está a sensação de mesmice que persegue o filme desde os créditos iniciais.

Moonrise Kingdom pauta a tênue linha entre o sonho infantil pela vida adulta e a realidade, quando se dá conta que ser adulto não é tão prazeroso quanto se imagina. Anderson constrói com maestria a idéia de sonho e perfeição ao inserir seus personagens em espécies de maquetes, onde a câmera passeia em belos planos-sequência. O pesadelo é externo, pronto para corrompê-los quando a porta de casa abre. O conflito é superficial por prender-se à tarefa de tornar os personagens em alvos da comicidade.

O rigor estético de Anderson deve conquistar apenas os iniciantes. Prender-se às alegorias é demonstrar segurança demais nos traços autorais e na passividade do público. Desde Os Excêntricos Tenenbaums Anderson aposta em saídas similares – aliar o mundo à aparência em forma de identificação imediata como um enigma - e seu novo projeto marca a saturação de um método. Reinventar-se parece necessário ao diretor. Porém, sempre haverá nossos espectadores prontos para o deleite visual – bem, desta vez, apenas visual.

Moonrise Kingdom (Idem, EUA, 2012) de Wes Anderson

FESTIVAL DO RIO - PARTE 3

Aqui, a terceira parte:
PRIMEIRO DIA DE UM ANO QUALQUER (Idem, Brasil, 2012) de Domingos Oliveira

Na utopia criada pelo início do ano, a esperança de uma vida melhor logo torna-se conflito restrito à metodologia de Oliveira - concomitância digerida pelo tempo com momentos de humor aqui e ali -, Primeiro Dia de Um Ano Qualquer serve como epítome do raciocínio do diretor: inspira ritmo e humor e aos poucos torna-se gratuito, perdido. Mais uma vez remetente aos filmes de Woody Allen - desta vez os filmes no qual Allen se inspirava em Ingmar Bergman como Interiores e Setembro -, Primeiro Dia faz novo panorama sobre os assuntos outrora pautados. Renovação para o Sr. Oliveira. Já!
APENAS O VENTO (Csak A Szél, Hungria, 2011) de Benedek Fliegaulf

Vencedor do prêmio do júri no último Festival de Berlim, Apenas o Vento mergulha na decadência de um território oprimido pelo terror e intolerância. Fliegaulf consome a dor de seus personagens através da rotina silenciosa, onde todos procuram alívio e recomeço em formato enigmático. O porém do longa de  Fliegaulf está na idéia de ciclo, de perfeição, de justificativa. Algo que ameniza a força lírica e amplifica o engajamento político. O panorama atual justifica a escolha do diretor.
OUT IN THE DARK (Alata, Israel/EUA, 2012) de Michael Mayer

A história de amor entre um palestino e um israelense ganha, aos poucos, o traço político necessário para manter viva a idéia de melodrama ante o panfletarismo. A intolerância política/religiosa serve como eixo para o diretor Michael Mayer que dosa em blocos sub-temas para fazer Out in the Dark uma obra norteada. E é justamente este o êxito do longa. Manter-se sóbrio perante diversos tópicos e não perder a rédea narrativa ou cair em exageros.
FUCKING DIFFERENT XXX (Idem, EUA, 20121) de Maria Beatty, Todd Verow, Jurgen Bruning, Courtney Trouble, Manuela Kay, Émilie Jouvet, Kristian Petersen, Bruce LaBruce

Versão pornô do projeto conceitual Fucking  Different.  A proposta é que diretores gays filmem cenas de sexo entre lésbicas e vice-versa. Pois nem como exercício ou ideal este filme serve. O que salva é a tentativa de remeter aos anos 90 - uns de forma implícita como a trilha e a estética, outros exageram e usam referências da época como o grupo New Kids On The Block, por exemplo. Outro ponto a ser lembrado é a criatividade de pouquíssimos curtas como o de Todd Verow, onde meninas utilizam bolas tênis como fonte de prazer e de  Bruce LaBruce, que insere conceito teatral na rápida narrativa que antecede a relação.
VERÃO EM RED HOOK (Red Hook  Summer, EUA, 2012) de Spike Lee

Na sequência de abertura de Verão em Red Hook, Spike Lee surge na tela como Mookie, figura máxima de seu clássico de 1989  Faça a Coisa Certa. Curiosamente, este é o mantra do longa que é embalado por hinos protestantes e capta a aura das férias do garoto Flik na casa de seu avô, um pastor destinado a mudar a rotina da vizinhança através da palavra de Deus. Como a sequência entrega, o filme serve como autoreferência megalomaníaca - é possível identificar diversas tiradas e citações de outras obras de Lee, além do famoso engajamento em relação à posição do negro nos EUA e a rotina do Brooklyn. Com narrativa ritmada e atuação inspirada de Clarke Peters, Red Hook transcede a gratuita proposta de afirmação do diretor e firma-se como bom caleidoscópio da atualidade.
PIETA (Idem, Coréia do Sul, 2012) de Kim Ki-Duk

Nome dado à representação de Maria segurando o corpo de Cristo, Pieta mostra a busca de Kim-Ki Duk por reinvenção em sua carreira após Arirang - filme apresentado em  Cannes sob um mar de lágrimas. Aqui, Duk aposta em sequências com câmera na mão, decupagem comum e a construção ordinária de um thriller para fugir de vez da imagem de diretor de filmes contemplativos e poéticos. Ironicamente, Pieta - vencedor do Festival de Veneza deste ano - funciona apenas em seu último ato, quando Duk sucumbe às forças e prefere o poético e implícito ao invés do óbvio. Nele, vemos amor, vida e dor em cheque em cenas que equivalem brutalidade e beleza.
COISA DE CRIANÇA (Kid-Thing, EUA, 2012) de David Zellner

No interior do Texas, Annie passa seus dias com uma tarefa: matar o tédio. Solitária e sem opções, Annie é a epítome do método usado por David Zellner - um filme aberto, onde o "nada" é tudo e logo sufoca quem busca por respostas claras - personagens e o público, é claro. Atirar em animais mortos, roubar lojas de departamentos e vagar pela cidade em sua bicicleta são opções. Até achar  Esther, dentro de um buraco. Um honesto manifesto sobre a falta de oportunidades para aqueles que estão longe do cerne. Para Annie, viver à margem é algo literal.
TABU (Idem, Portugal/Alemanha/Brasil/França, 2012) de Miguel  Gomes

Vencedor do prêmio da crítica no Festival de Berlim, Tabu é dividido em dois segmentos onde Miguel Gomes mostra astúcia para construir simbolismos e com muito humor, analisar a identidade portuguesa através dos tempos - sempre lembrando que o cinema é terreno para todas as possibilidades. Usando uma senhora falída e abandonada pela filha como parâmetro, vemos a narradora virar protagonista e se tornar matéria-prima. Termo, o filme não busca o senso de unidade por utilizar métodos distintos de construção de personagens e narrativa. Impressionante tour-de-force.

FESTIVAL DO RIO - PARTE 2

Não deixe de conferir a primeira parte da cobertura.

TERMAS ROMANAS (Therumae Romae, Japão, 2012) de Hideki Takeuchi

O filme funciona como paralelo bem humorado entre os tempos de império e hoje e a idéia de fluxo. Porém, sua metodologia é limitada.  Takeuchi repete as mesmas saídas no roteiro e arrasta o filme em seu ato final. Diverte pela improbabilidade e ousadia, como usar japoneses como integrantes do império e usar a dublagem como eixo, mas a mesmice compromete.
TERRA DA ESPERANÇA (The Land of Hope, Japão, 2012) de Sion Sono

Sion Sono (Culpada por Romance) desta vez escolhe a sobriedade para, de forma poética e aberta ao lúdico, pautar a angústia de um país devastado por tragédias. Abandonar o lar, as fobias criadas a partir do trauma, a dolorosa (sim, dolorosa) opção em continuar, ir em frente. Sono consegue construir um filme delicado com poucos macetes melodramáticos em polos distintos e, mesmo assim, dando a sensação de unidade.  Delicado, surpreendente e cortante.
AUGUSTAS (Idem, Brasil, 2012) de Francisco Cesar Filho

Baseado no livro "A Estratégia de Lilith" de Alex Antunes & Sish, Francisco Cesar Filho usa o curta "Essa Rua Tão Augusta" de Carlos Reichenbach como ponto de partida e referência para seu filme, ou seja, influências do cinema novo - decupagem, montagem - tentam casar ao conceito de aura da rua mais movimentada de São Paulo. Entre prostitutas e rituais, o jornalista Alex almeja de forma torta, a satisfação. Sua realidade decadente o transforma numa espécie de caricatura ao invés de representação dos moradores da rua. No fim, mesmo com a narrativa envolvente, não sabemos ao que veio o longa.
THALE - ELA VEIO DA FLORESTA (Thale, Noruega, 2011) de Aleksander Nordaas

Anticlimático, Thale - Ela Veio da Floresta é minucioso ao explicar causa e mastiga a consequências, algo desfavorável ao espectador acostumado a sustos. É necessário abraçar a atmosfera sugerida por  Aleksander Nordaas nos aspectos líricos e técnicos - algo que aproxima Thale aos filmes de M.Night Shyamalan além do engajamento político unido ao lado fantástico.  Intencionado ao desenvolvimento narrativo lento, o filme falha por usar um método apenas como eixo e logo abraça a mesmice.
BONES BRIGADE - UMA AUTOBIOGRAFIA (Bones Brigade - An Autobiography, EUA, 2012) de Stacy Peralta

Stacy Peralta faz homenagem aos prodígios de seu grupo batizado "Bones Brigade", liderado pelo próprio Peralta e seu sócio George Powell. Rico em imagens de arquivo e bem detalhado, o documentário se sustenta por colocar o tema em nível muito mais alto que seu modelo. É possível ver as fraquezas e inseguranças na história de ascensão dos skatistas e a decadência, que sempre está ao lado daqueles que não conseguem lidar com a fama e a obrigação de vencer competições que aumentaram em ritmo frenético durante os anos 80.

TURISTAS (Sightseers, Reino Unido, 2012) de Ben Wheatley

O êxito de Turistas está na harmonia entre a metáfora do fetiche ao poder no Reino Unido à história do crescente apreço pela maldade de uma mulher super protegida pela mãe. A primeira viagem ao lado de seu namorado é a chance de encontrar um mundo completamente diferente que logo a infecta. O longa de Wheatley é brutal quando deve ser, porém seus métodos são saturados - e previsíveis.


TRISHNA (Idem, Reino Unido, 2011) de Michael Winterbottom

Winterbottom regride ao fazer um institucional do melodrama moderno na adaptação do livro de Thomas Hardy para a atualidade. Trishna é um filme-nada comandado por um diretor preguiçoso que em seu ato final resolve criar alusões à insatisfação feminina perante o machismo na Índia. Não vemos nada mais que o exercício burocrático de um conceito cinematográfico.
YOUNG & WILD: AS AVENTURAS DE UMA NINFOMANÍACA (Joven Y Alocada, Chile, 2012) de Marialy Rivas

Baseado nos contos de um blogue, o longa de Marialy Rivas tenta ao máximo utilizar a linguagem moderna - inserções remetentes a videoclipes e sites - aliando à deliciosa e bem humorada narrativa. Porém, o filme se perde por não possuir identidade; vemos um ataque direto ao comportamento cristão ou estamos diante do conflito de uma jovem cristã disposta a ceder às tentações? A chance de ser os dois existiu por boa parte do filme - quando é ousado imagetica e líricamente, porém, perde-se no meio do caminho.

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