Foxcatcher (Bennett Miller, 2014)


A primeira noção que Foxcatcher traz é a de utilizar o famigerado sonho americano como uma referência básica para o que há de vir. Como a simples metáfora de uma ilha, mas desta vez cercada de consequências doentias. Qualquer coisa dita sobre a obsessão com o êxito e a necessidade de afirmação, sempre para o bem da nação americana já foi dita, principalmente após os ataques de 11 de setembro. Portanto, Bennett Miller parte para outro estágio de estudo e discurso, como forma de aproximar a visão de micro ao macroscópico. Trata-se da mesma visão melancólica que Werner Herzog trouxe em Stroszek (1977) e com os mesmos anseios e efeitos, mas sem a exteriorização do filme do diretor alemão.


Portanto, é necessária a posição política do espectador. Ela é solicitada e lentamente tomada pela narrativa, como uma das possíveis formas de interpretação do filme – e a mais pertinente delas. Ainda que Foxcatcher dialogue de forma precisa – com ironia e melancolia – com a forma que os Estados Unidos se vende até hoje, o pilar do filme é o encontro com o fracasso, como uma espécie de bolha, representada nas locações, sempre de teto baixo, escuras e apertadas, por mais que os locais sejam imensos à primeira vista.

O estudo de como os personagens reagem ao fracasso transparece uma nação em ruínas em volta de um império. Parte-se para o consumo desenfreado, para a pulverização das regras e da saúde, e claro, para a entrega completa da integridade. É a partir deste ponto que Miller faz um caminho tortuoso para John du Pont (Steve Carell), Mark Schultz (Chaning Tatum) e David Schultz (Mark Ruffalo), os representantes da equipe que batiza o filme, que nada mais faz que se estender em uma gangorra entre afirmação e decadência. 

Os resquícios de bom senso se diluem conforme a influência que o estilo de vida oferecido por John du Pont traz – é tentador e extremamente perigoso o simples fato de desejar, principalmente para quem já tem tudo. Para os três, nunca será o suficiente, cada um à sua maneira. E conforme Miller traça o paralelo do caminho percorrido pelos três, curiosamente no mesmo lugar, muitas vezes no mesmo espaço cênico, mas nunca sob o mesmo escopo existencial, uma balança social é erguida, da mesma forma que a posição para cada personagem se concretiza. Há a noção de heroísmo e vilania para cada um deles; todos se encaixam nos padrões que a narrativa clássica solicita, porém, nota-se a intenção de personagens-camaleões, como uma metáfora da posição política americana e que se potencializa com o desenvolvimento do filme. 


Neste ponto Miller coloca a questão explicitamente sobre o que é, de fato, a vitória. O que se faz com ela? O caminho até ela é questionado diversas vezes, para o bem e para o mal. A vitória é rapidamente execrada, já na primeira cena de filme. A derrota, para uma nação que se exclui do resto do mundo – conforme John du Pont – ganha um significado de amplificação do que há de ser analisado e mudado. 


E no escopo sobre a dominância, sempre ela, Foxcatcher se faz um filme de analogias sobre aproximação do que se faz em terreno alheio; se invade, muda a rotina, inibe vontades de seu dono e repulsa qualquer tipo de resposta. Por mais gloriosa que a venda desta história possa fazer, está incrustrada o peso da ética e os valores, estes tão pregados pela nação vencedora. A gangorra nunca flutuará ou passará a ideia de estabilidade. E o maior dos males trará a consequência para quem o escolheu. 

Foxcatcher (Bennet Miller, 2014)

Acima das Nuvens (Olivier Assayas, 2014)


Assayas faz de Acima das Nuvens o mesmo ringue final de Três Homens em Conflito, provavelmente a melhor representação das relações humanas que se tem conhecimento em filme de gênero. O filme do diretor francês prepara o espaço minuciosamente e quando lhe é autorizado exibe em cascata os diversos conflitos que refletem em Maria Enders (Juliette Binoche) a adaptação em um tempo que exige velocidade e uma boa equipe de marketing - quase uma atualização de Irma Vep (1996). Em devidas proporções, Binoche, Stewart e Moretz representam Eastwood, Wallach e Van Cleef no duelo final, cada um com suas motivações e reputações para enfim chegar à fortuna desejada. O ato final, ainda que não lembre em nada a apoteose de Sergio Leone, reserva duelos particulares poderosos e nos dá a mesma sensação (e questões) ao ver Eastwood partindo com seu cavalo.

Whiplash (Damien Chazelle, 2014)


Ao longo do último século, Jacques Armont, Noel Burch, André Bazin e Sergei Eisenstein, para citar alguns nomes, se debruçaram criticamente sobre o estudo da forma do filme e consequente diálogo com o público. A chamada decupagem, que com o passar do tempo ganhou nova definição e função, da imagem ao roteiro, amplifica a noção de como se comunicar através de uma imagem impura  - tendo o corte como o ponto principal.

Um filme sobre um baterista em busca da performance ideal expande a relação da decupagem através do mais instintivo dos instrumentos. Damien Chazelle, que continua sua saga sobre o jazz após Guy and Madeline on a Parker Bench (2010), faz um filme de explosões. Whiplash se resume à acender pavios muito curtos em eixos dramáticos para o êxtase regido pela figura vilanesca de Fletcher (J.K. Simmons), este o maior suporte narrativo e representação dos contrastes sobre os sentidos e limites do filme. 

Em resposta protocolar - a necessidade de justificar e se afirmar como um drama -, Whiplash se preserva como um filme de manipulações trágicas visualmente apoteóticas. O jovem Andrew, como qualquer protagonista de filmes motivacionais, está à procura de afirmação e respostas para o seu sonho. A saga é interrompida diversas vezes, como qualquer filme, repito, motivacional, pela negação, pelo acaso e claro, por Fletcher. Estes eixos são cronometrados para a assimetria ideal com os números de Andrew à frente do kit de tambores e pratos.  É a dominância crescente da fórmula: Andrew poderia estar em um ringue para remeter a Rocky - Um Lutador ou sofrer feito Zack Mayo em A Força do Destino e o escopo seria mantido: não desistir, continuar até à perfeição - o que é inerente ao gênero.

A cada quadro, Whiplash exibe a ciência de Chazelle pela identificação com conceito de caos progressivo entre tantos momentos de bonança. A escuridão dos estúdios e do palco evidenciam o escape de Andrew em espaço externo para que a surpresa do transporte para um mundo pouco explorado - o gênero musical e principalmente o instrumento - se renove a cada aparição. Nestes momentos a decupagem se faz dona do filme, onde sangue, suor e lágrimas representam, a cada close, um passo dado pelo jovem.

Em sequências regidas pelo diálogo imagético, no qual Andrew se depara apenas com a pressão exterior psicologicamente, Whiplash é bem sucedido. As manobras dramáticas se evidenciam pela força que transcende todo arco construído por Chazelle. A entrega do protagonista até o corte final coloca em evidência o peso da decupagem em casos como este. O paralelo entre o instinto humano com o instinto cinematográfico é o grande acerto, principalmente por se tratar de um filme sobre boicotes.

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