FESTIVAL DO RiO - PARTE 4

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 A INVENÇÃO DA CARNE (La Invencion de la Carne, Argentina, 2009) de Santiago Loza 

O corpo como templo. Receptor de reflexos passionais. Uma conclusão tão óbvia vem em A Invenção da Carne, filme de Santiago Loza. Acompanhamos dois profissionais que mantém relações diretas com corpos para sobreviver: uma prostituta e um médico. Quando se encontram, silenciosamente partem para uma espécie de odisséia interior, de descobrimento. O grande problema é a redundância que Santiago Loza expõe com o tempo. Sua mensagem é passada logo nos primeiros minutos de filme e de resto, vemos um diretor desesperado para achar um sentido plausível para continuar sua narrativa, repetindo o mesmo raciocínio de formas diferentes. O médico com síndromes. A prostituta carente. Chega a ser ordinário. Até o epílogo, acompanhar os personagens, sempre em estado de ebulição emocional, é um sofrimento. Nos minutos finais, há um pequeno desdobramento, que dá uma nova visão (e respiro) ao filme, mas não foge da impressão de improviso que ele traz. Pode casar bem com a estética artesanal do filme, guiado por sequências com câmera na mão, mas não convence ao já cansado espectador.

 
TERÇA-FEIRA, DEPOIS DO NATAL (Marti, Dupa Craciun, Romênia, 2010) de Radu Muntean
 
O diretor romeno Radu Muntean analisa friamente uma relação desgastada em Terça-Feira, Depois do Natal e entrega uma obra sem forças por seguir uma cartilha ordinária neste segmento: personagens pálidos ao seu extremo onde o grande conflito é construído por raros momentos de espontaneidade. O choque vem quando eles resolvem atravessar o óbvio e se tornam vulneráveis. As grandes referências da obra de Muntean são filmes franceses contemporâneos, onde diálogos compõem apenas uma situação e não o interior dos personagens. Terça-Feira, Depois do Natal se constitui no silêncio de Paul, homem que é casado com Adriana há dez anos e tem Raluca como amante, até que um inesperado encontro acontece. Causa e conseqüência estão expostas muito antes de se materializar na tela e sem tanta relevância moral. A proposta é analisar o descaso que todos alimentam um pelo outro, apesar da aparente fraternidade. Vira um caso da latente e contemporânea necessidade afetiva. Infelizmente, Muntean expõe sua história com frieza e distância necessárias para não envolver o espectador.

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KING'S ROAD (Kóngavegur, Islândia, 2010) de Valdis Óskarsdóttir

Uma rica analogia política, social e comportamental de um país severamente atingido pela crise econômica mundial. Valdis Óskarsdóttir representa a Islândia em um conjunto de trailers, onde seus habitantes alimentam hábitos estranhíssimos e dividem da mesma situação financeira.E assim são construídas situações absurdas, com a novidade da excentricidade humorística de um povo tão introspectivo como o islandês. As consequências da crise são justificadas pelo riso. São nichos de personagens, representados por um trailers e formas diferentes de reagir à situação. Em comum, a urgência de um novo começo.King’s Road tem seu lado engajado e até contemplativo, mas não dura muito tempo neste exercício. Logo seus personagens voltam a inventar. Inventam um emprego, um passatempo, sonhos e até inventam vida, representada ambiguamente por uma foca morta. Sobre eles, a imposição do característico céu cinza da região que só reforça o tom melancólico deste estilo de vida. Óskarsdóttir nos faz rir, mas ele tem total ciência da gravidade deste retrato para o resto do mundo, como mostra no desfecho de seu filme.
 

FESTIVAL DO RIO - PARTE 6

ESSENTIAL KILLING (Idem, Polônia/Noruega/Irlanda/Hungria, 2010) de Jerzy Skolimowski
O mestre do cinema polonês Jerzy Skolimowski vai no âmago da necessidade instintiva para analisar a relação entre o homem e a religião em Essential Killing. Com pouquíssimos diálogos, o filme destroça em nuances a posição de um terrorista afegão às promessas de uma vida próspera. Ele, alvo do exército americano, passa por situações extremas de sobrevivência em um local desconhecido. Skolimowski não procura o drama em seu roteiro para entronizar o protagonista. O sofrimento é visível, está lá para quem conseguir ver. A necessidade de viver para o diretor é muito mais importante que a tentativa de construir um elo de sua não-narrativa (no sentido Griffithiano da coisa) e saídas melodramáticas. A mesma ausência narrativa (novamente, em comparação ao cinema clássico americano) às vezes se sobrepõe à esta história, oferecendo momentos avulsos (que em certa altura do filme tomam forma de delírios, devido ao estado debilitado do personagem, vivido por Vincent Gallo), mas não é nada comparado ao olhar poético da relação entre carne e espírito.

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CARLOS (Idem, França/Alemanha, 2010) de Olivier Assayas

Carlos é uma epopéia dirigida por Olivier Assayas que dura nada menos que 330 minutos e segue uma cartilha narrativa de filmes de máfia. Muitos personagens, alguns entrelaces e um silencioso conflito interno do protagonista que batiza o filme, um marxista que lutava por qualquer causa ou ideal político e religioso que lhe fosse pertinente. O mais interessante da cinebiografia - que deve ser encarada paradoxalmente como uma obra cem por cento ficcional, segundo o próprio diretor - do militante é como o ego, silenciosamente, domina a personalidade de Carlos. Aparentemente ele nunca deixou de ser um comunista fervoroso, mas inconscientemente buscava uma nova glória, aquela que grandes políticos e sistemas de segurança poderiam lhe dar, representada por fugas grandiosas após ataques nem sempre bem sucedidos. Durante as cinco horas e meia Assayas tem grande domínio sobre o ritmo narrativo e não cansa, no geral. Chega até apelar para elipses para não nos encher de informações desnecessárias. Em tese, o filme é sobre um período de ascensão e queda de um mito, um suposto herói que poderia ser confundido como um baderneiro por não seguir um só ideal. Lógico que existem tropeços dentro da grandiosidade do projeto (que foi dividido pelo Canal+ da França em cinco capítulos para virar uma mini-série ou uma trilogia cinematográfica). Assayas não consegue transparecer e enaltecer a equivalência emocional entre o espírito de liderança de Carlos e a sua falta de coragem para exercer tal cargo verdadeiramente. No epílogo, quando o diretor analisa as consequências de uma vida regada a decisões urgentes e sempre em estado de atenção, se distancia mais ainda de seu protagonista. Talvez para reforçar a postura de homem imbatível, mas para nós espectadores, fica a sensação de que não mergulhamos de fato no íntimo do personagem.

FESTIVAL DO RIO 2010

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FESTIVAL DO RIO: COBERTURA DA MAIOR MOSTRA DE CINEMA DA AMÉRICA LATINA!

Parece uma eternidade, mas só um ano passou. E antes do Festival do Rio (re) começar, a correria antecipada dos cinéfilos é atrás da programação. Muito se fala, muito se imagina, mas até a produção se manifestar, o tempo parece uma tortura. Agora, com os filmes divulgados, a tensão é para comprar os ingressos (sinônimo de filas gigantescas). Este ano, cineastas como Jean-Luc Godard, Abbas Kiarostami, Robert Rodriguez, Pablo Trapero, Woody Allen, Apichatpong Weerasethakul e Sofia Coppola dão motivo para tamanha ansiedade.

Fora os novos destes cineastas e outras centenas de filmes que foram destaque em outras mostras (como os premiados em Cannes Turnê e Poesia, o costarriquenho Água Fria do Mar de Paz Fabrega e A Vida Durante a Guerra de Todd Solondz, vencedor de melhor roteiro em Sundance e o brutal The Killer Inside Me de Michael Winterbottom), o Festival do Rio promove a mostra “Filme Doc”, que imerge na vida e na alma de diretores como Roman Polanski (que além de dois documentários, ganha uma exposição dedicada à sua carreira), Sam Peckinpah e Godard. Os próximos candidatos a blockbuster do ano também estão na programação, como Comer, Rezar e Amar, Monstros e The Kids Are Alright. 

 Na Première Brasil, estão os aguardados Vips, Malu de Bicicleta e Bróder, este último, premiado em Gramado. Em competição também está Elvis & Madona de Marcelo Lafite, destaque no festival de Tribeca. Amos Gitai, Bruno Drummond e Jerzy Skolimowski ganham retrospectivas durante a maratona cinematográfica. Os três estarão na cidade para participar de eventos promovidos pelo festival. Já Skolimowski lança Essential Killing, junto de Ewa Piaskowska, produtora do filme, que tem Vincent Gallo como protagonista.

O Festival do Rio acontece de 23/09 a 07/10 e escolheu dois filmes para mostrar duas facetas distintas do cinema nacional para abrir e encerrar o evento: a volta de Arnaldo Jabor à sétima arte em A Suprema Felicidade, para dar o pontapé inicial e Andrucha Waddington - que atravessou o Atlântico para dirigir Lope, filme de co-produção entre Espanha e Brasil que conta com Selton Mello no elenco e teve sua première em Toronto -, para encerrar. Para conferir a lista completa de filmes acesse: http://www.festivaldorio.com.br
Estarei lá para cobrir alguns filmes e provavelmente farei uma enxurrada de posts sobre o festival!

UPDATE!
RESENHAS DOS FILMES
A VIDA DURANTE A GUERRA de Todd Solondz
UM LUGAR QUALQUER de Sofia Coppola
CARLOS de Olivier Assayas
ABUTRES de Pablo Trapero
ELVIS E MADONA de Marcelo Laffite
MICMACS - UM PLANO COMPLICADO de Jean-Pierre Jeunet
POESIA de Chang-Dong Lee
RUBBER de Quentin Dupieux
THE RUNAWAYS - GAROTAS DO ROCK de Flora Sigismondi
ESSENTIAL KILLING de Jerzy Skolimowski
DOIS IRMÃOS de Daniel Burman
ZONA SUR  de Juan Carlos Valdivia
AMORES IMAGINÁRIOS de Xavier Dolan
NOSSA VIDA EXPOSTA de Ondi Timoner
THE KILLER INSIDE ME de Michael Winterbottom
KABOOM de Gregg Araki
KING'S ROAD de Valdir Óskadóttir
TERÇA DEPOIS DO NATAL de Radu Muntean
A INVENÇÃO DA CARNE de Santiago Loza
A ÚLTIMA ESTAÇÃO de Michael Hoffman
QUEBRA-CABEÇA de Maria Smirnoff
CÓPIA FIEL de Abbas Kiarostami
BURACO NEGRO de Gilles Marchand
TURNÊ de Mathieu Almaric
OITO VEZES DE PÉ de Xabi Molia

O ASSASSINO SENTIMENTAL DE MÁQUINAS

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A narrativa de O Assassino Sentimental de Máquinas é fragmentada ao extremo a ponto do último ato completo exija atenção redobrada. Mas não é o aspecto mais importante do debut de Omar Rodriguez-Lopez, líder do grupo The Mars Volta na direção. O Assassino Sentimental de Máquinas é uma experiência sensorial, onde figuras de linguagem, unem-se para criar as possibilidades do sonho e traumas, acopladas a já citada frenética edição transformam a grande crise existencial de Barlam, um jovem que não suporta o peso de uma cartilha comportamental adolescente numa viagem abstrata e extremamente envolvente.

Os questionamentos de Barlam se desdobram em um quadro que elimina dicotomias e uma lógica interpretativa. Na pulsante mente do garoto está a relação quase incestuosa com a irmã, a religião, a inativa vida sexual, o abandono dos pais e carrinhos em miniatura. A insegurança e a postura inerente à pressão de amigos, aos poucos entrega distúrbios ou simplesmente a permissão para que Barlam exerça o livre-arbítrio. A interpretação é nossa. O quadro é pintado pelas nossas mãos.

Omar Rodriguez-Lopez entrega um filme pulgente, que insere conflitos comuns da adolescência e despacha clichês. Dentro desta experiência há espaço para interpretar, desconstruir e quem sabe, ter alguma conclusão sobre a verdade do protagonista.

O Assassino Sentimental de Máquinas (The Sentimental Engine Slayer, México/EUA, 2010) de Omar Rodriguez-Lopez

CARTAS DO DESERTO (ELOGIO A LENTIDÃO)

Um convite para conhecer uma realidade completamente diferente. Onde tempo não é virtude e sim, companheiro agradável. Cartas do Deserto (Elogio a Lentidão) apesar de registrar o cotidiano de habitantes de uma ilha aparentemente esquecida no tempo, serve como antítese do nosso corrido e caótico cotidiano em linguagem semi-documental, preservando entre a (óbvia) lenta narrativa, belíssimas imagens.

Hari é um entregador de cartas. Caminha pelo deserto, conversa com seus clientes e lê a maioria das correspondências para eles. Conhece a vida de cada um deles intimamente por isso. A inevitável proximidade entre o carteiro e seus clientes representa o resgate de uma humanidade perdida com a vida estressante no ocidente. Na realidade de Hari, o asfalto sucumbe a areia. O tempo existe para edificação espiritual, contemplar a natureza, jogar conversa fora e calmamente, cumprir suas tarefas.

Ao primeiro sinal de modernidade (representada por uma antena para telefones celulares), apesar do silêncio e da prévia vantagem para comunicar-se com seus parentes distantes, Hari sabe que o seu modo de levar a vida será atingido. Tudo ficará mais urgente, seu trabalho será substituído por uma máquina, as pessoas se distanciarão e de certa forma, virarão máquinas e deixarão sua humanidade para raros momentos.


Cartas do Deserto (Elogio a Lentidão) (Letters From The Desert (Eulogy to Slowness), Itália/India, 2010) de Michela Occhipinti

ALGUNS DIAS SÃO MELHORES QUE OUTROS




Num condado americano qualquer, pessoas comuns com problemas comuns vivem num estado de melancolia por um problema nem tão ordinário no primeiro mundo: a falta de oportunidades para realização de um sonho.

A câmera de Matt McCormick desconstrói esse estado de espírito coletivo através da plástica. Cada personagem parece ter um motivo para continuar numa busca que parece sem fim, por mais esquisitos que eles possam parecer. Uns bem explícitos, outros nem tanto, mas suficientemente naturais para a identificação. E o cotidiano destes personagens batiza o filme.

A interpretação de realidade do diretor é convincente até certo ponto, quando cai em redundância e deixa essa apatia virar pretensão e se confundir com a problemática narrativa do filme.

Alguns Dias São Melhores Que Outros (Some Days Are Better Than Others, EUA, 2010) de Matt McCormick

MINHA MÃE É UMA PUTA

 

Não é só no título de seu filme que Lee Sang Woo (que também escreve e protagoniza o longa) pretende instigar o público. Sua câmera registra a inversão de valores numa sociedade que cresceu com o peso de uma doutrina cristã. Mas para posicionar a religião em nosso tempo, o diretor se perde com o desenvolvimento narrativo, fazendo contraponto com as desconstruções de planos da cartilha do cinema clássico americano.

Minha Mãe é Uma Puta busca a fuga em extremos, que só resulta num riso tímido ou na reprovação instantânea, enfrentando literalmente a única possibilidade que o diretor nos permite. Seja pela visão de um desvio comportamental, da "real liberdade" ou uma triste herança, no fim das contas, o filme de Sang Woo perde a chance de elaborar personagens ou uma situação social para, simplesmente, chocar.

O grande problema do filme é como o diretor coloca suas mensagens imbuídas em situações que buscam denegrir classes, gostos e escolhas pessoais. Se não fosse isso apenas, a ladeira desce um pouco mais por conta da bagunça narrativa.

 
Minha Mãe é Uma Puta (Mother is a Whore, Coréia do Sul, 2009) de Lee Sang Woo

BORBOLETA BRANCA

 

Ser independente. Sair de casa e viver a tão esperada liberdade, que logo implica numa autonomia financeira. Como realizar estes sonhos sendo diretor de cinema? O título do filme de Kim Sam Ryeouk vem da metáfora da realização do sonho da mariposa ao se transformar numa borboleta branca.

O cinema pode ser um grande elo entre expressão e arte, mas também é mercado.  O protagonista Sang-Ho aprende isso na marra, junto com sua namorada Hye-Jin, que é atriz e sofre para conseguir um papel que a faça pagar as contas. O sonho se transforma em pesadelo às vezes. Aturar alguns contratempos faz parte para recomeçar. Criar  e ganhar cicatrizes.

Mas, como funciona o ditado, o tempo chega e quem espera, uma hora alcança. Mesmo que nesta aventura, o próprio Ryeouk apresenta sérias derrapadas narrativas com o excessivo uso de elipses, o sonho vira realidade. E enfim, podemos ver uma borboleta, tímida, medrosa e errada, almejando o primeiro voo.

Borboleta Branca (White Butterfly, Coréia do Sul, 2010) de Kim Sam Ryeouk

ALGUM LUGAR ENTRE O AQUI E O AGORA

 

Qual é o lugar que te faz sentir realmente em casa? Aliás, é um lugar? Você tem dono(a)? Para onde vai no próximo dia? Essas são algumas da milhares de perguntas sugeridas por Olivier Boonjing em Algum Lugar Entre o Aqui e o Agora.

Como o título sugere, o diretor capta momentos de uma noite, onde seus personagens parecem nômades (literal e emocionalmente) e um afago gratuito ou uma longa conversa parecem como a salvação. Completamente artesanal (por escolha, que fique claro) e às vezes forçado além da conta, o filme de Boonjing não se limita em esconder a câmera, mas também nos convida para fazer parte de uma festa, para sentar no bar e papear com seus personagens.

A aventura de explorar o desconhecido, através de idéias e atitudes repentinas, sem uma segunda chance para reflexão guiam esse mosaico de sentimentos. Não há chance de voltar atrás, para todos eles. O agora é o momento. Para aproveitar, para se declarar e até chorar. Mas que seja feito ali. Na hora.

Algum Lugar Entre o Aqui e o Agora (Somewhere Between Here  and Now, Bélgica, 2009) de Olivier Boonjing

MOBÍLIA MÍNIMA

 

Uma comédia tipicamente indie. Mobília Mínima tem narrativa dinâmica, deliciosa e não perde oportunidades para ridicularizar com propriedade costumes da vida moderna.

Nesta proposta, o entrave maior, que seria o de discutir a banalização e saturação de diversos estilos de vida e aspectos comportamentais é bem sucedido. Mobília Mínima apresenta na média um painel de conflitos (ainda) adolescentes de uma menina que acabara de se formar na faculdade interpretada pela própria diretora Lena Dunham. Estão lá o desdém da mãe, os homens, sexo, drogas, síndromes, (a falta de) popularidade e etc.

O roteiro, também de Lena Dunham, claramente foi construído numa espécie de moldura para agradar diversos nichos. Não se mostra corajoso para passar de um limite que ameaça por diversas vezes; contorna esta situação praticamente impondo o riso para o público. E é bem sucedido.

Mobília Mínima (Tiny Furniture, EUA, 2010) de Lena Dunham

ORLY

 

A busca incessante pelo acaso para a  diretora Angela Schanelec traduz Orly em longos planos com câmera estática, ausência narrativa e assuntos abordados com naturalidade e velocidade que estampam o cotidiano de um aeroporto.

Esta visão tão próxima do acaso transparece sentimentos comuns e contemporâneos. Mas se um repentino momento ele pode ser brilhante (as revelações de um filho para a mãe sobre sua opção sexual e a paixão relâmpago de um homem por uma mulher no caminho para comprar algo enquanto espera o seu voo), ele também pode remeter à momentos entediantes.

Nesta forma, Angela Schanelec apresenta um filme nem tão claro quando falamos sobre construção de personagens, mas absolutamente profundo no viés existencial. Funciona, mas de maneira irregular.

 
Orly (Idem, França/Alemanha, 2010) de Angela Schanelec

HaHaHa


Não há título mais apropriado para este filme de Hong Sangsoo, contemplado com o prêmio de melhor filme da mostra "Um Certo Olhar" no Festival de Cannes deste ano. No longa são desconstruídos diversos caminhos tomados pelo humor numa trama que apresenta os mesmos personagens sob dois pontos de vista diferentes.

Sangsoo aborda a inocência e sua ausência em momentos paradoxais. Já e o bastante para o diretor nos remeter à Monty Python, Chaplin e claro, o humor oriental sem cair no ativismo contemporâneo das "homenagens". A equivalência destas possibilidades surgem sem escadas para o riso por sabedoria de Sangsoo; A câmera é o maior condutor desta linguagem. Ela nos sugere o riso. Seus personagens estão na tela para serem objeto do ridículo, expostos às fraquezas sem pudor.

E assim vemos sequências memoráveis quando Sangsoo explora o absurdo com sutileza e o justifica pela identificação imediata do espectador. HaHaHa aborda a decadência sob um olhar extremamente humano e humanizado a ponto de debochar e entronizar seus personagens na mesma cena.

 
HaHaHa (Idem, Coréia do Sul, 2010) de Hong Sang-soo

INDIE - MOSTRA DE CINEMA MUNDIAL



119. Este é o número de filmes que fará os cinéfilos correrem por Belo Horizonte pelos cinemas que hospedarão o Indie Festival por sete dias. Completando dez anos em 2010, o festival já levou mais de 190 mil espectadores às salas entre diversas mostras e retrospectivas numa espécie de encontro às escuras com novos diretores.

Neste ano, o festival apresenta além de suas tradicionais e (e por que não visionárias?) mostras (Mostra Mundial, Indie Brasil, Musica do Underground e Cinema de Garagem) e retrospectivas de diretores que infelizmente não ganharam espaço em circuito comercial por aqui, mas carregam filmes maravilhosos na bagagem. Neste ano os escolhidos foram o vencedor da última edição do Festival de Cannes Apichatpong Weerasethakul e o cultuado diretor de terror (que vez ou outra foge do gênero) Kiyoshi Kurosawa.

Para a mostra mundial ficam os destaques para White Material de Clare Denis, A Vida Durante a Guerra de Todd Solondz, que revisita os personagens de Felicidade dez anos depois, o debut do músico Omar Rodriguez-Lopez em O Assassino Sentimental de Máquinas, o prêmio da mostra “Um Certo Olhar” em Cannes HaHaHa e o argentino Dois Irmãos de Daniel Burman. A música do underground tem foco no poder que a música tem: seja para revolucionar, curar, salvar. E lá estão sete filmes para imprimir esta relação de amor. A Indie Brasil, entre os cinco filmes selecionados, ganham destaque o premiado Leite e Ferro de Claudia Priscilla e A Falta que me Faz de Marília Rocha.

Estarei lá para conferir os filmes e, aos poucos, postarei minhas impressões sobre eles. Adoraria discuti-los com vocês, portanto, quem quiser, deixe comentários.

RESENHAS:

ORLY de Angela Schanalec
HAHAHA de Hang Sangsoo
O ASSASSINO SENTIMENTAL DE MÁQUINAS de Omar Rodriguez-Lopez
BORBOLETA BRANCA de Kim Sam Ryeouk
MOBÍLIA MÍNIMA de Lena Dunham
MINHA MÃE É UMA PUTA de Lee Sang Woo
WHITE MATERIAL de Claire Denis

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