Lucy (Luc Besson, 2014) e Magia ao Luar (Woody Allen, 2014)

Para tirar a poeira do blogue, comentários sobre as duas estreias da semana:



É curioso como Lucy fixa seu raciocínio básico: abre com uma sequência-epítome do cinema moderno, influenciado pela montagem televisiva e pela velocidade dos games (não a toa os nomes de Brian Taylor e Mark Neveldine vêm à mente em diversos momentos do filme). Dela, parte para o que atende ao olhar "domesticado", ou seja, uma reportagem televisiva aos moldes de Discovery Channel justificada por uma palestra que se aprofunda na mente humana. Estes dois pêndulos refletem o conflito do homem e seu avanço, o desejo pelo domínio (ego) e a eterna falta de resposta para algumas questões. O filme, tão sintético quanto o primeiro pêndulo - o cinema "modernoso", desenha em meio às sequências apressadas uma história de redenção da espécie humana - que de uma forma ou outra busca um Salvador.

Magia ao Luar parece um recado de Woody Allen à ciência de ser o cerne de seus próprios filmes há pelo menos 20 anos - e que quando sai dele é sucedido, a exemplo de Match Point e Meia Noite em Paris. O filme, que parece um passeio delicioso pela filmografia de Allen a partir da última década, vai dos habituais mágicos e trapaceiros ao sempre interessante e bem humorado conflito envolvendo existência e religião - que de certa forma se equipara ao de Lucy. Tudo parece tão simples e tão direto que em certo ponto do filme não há mais exigências - comum para quem faz filmes similares - e nele Allen faz a reviravolta de seu roteiro. É o grande golpe de um mestre.

Happy Christmas (Joe Swanberg, 2014)




Em doze anos Joe Swanberg dirigiu vinte e sete filmes entre longas e curtas-metragens. Em 2011, Swanberg dirigiu quatro longas, entre eles o Autoerotice Uncle Kent, exibidos no Brasil. O incansável diretor é responsável por filmes como Hannah Sobe as Escadas, Um Brinde à Amizade e LOL, mas seu nome é constantemente citado por ser um dos precursores do movimento de cinema independente mumblecore, no qual ajudou a disseminar ao lado dos irmãos Duplass e Andrew Bujalski.

O mumblecore se configura por filmes de baixo orçamento, de rápida duração e conta com a colaboração entre elenco e diretores – são diversos os filmes onde os diretores servem de atores em filmes uns dos outros e dão espaço para atores começarem a carreira atrás das câmeras. No início da década de 00, o Festival de Sundance foi responsável pela aposta e divulgação destes filmes que, por conta da divulgação do festival, corriam o mundo. Os filmes “mumblecore” não tinham qualquer preocupação comercial e logo eram lançados na internet pelos próprios diretores.

Happy Christmas, enfim, o vigésimo quinto filme de Joe Swanberg (sim, dois estão em pós-produção neste momento!), segue a fórmula agridoce que o consagrou. Assim como Um Brinde à Amizade, vemos um filme de fluxo rotineiro, aqui curiosamente a partir de uma suposta ruptura – a chegada da irmã mais nova de Kevin (Mark Webber) para o Natal, disposta a fazer de tudo para esquecer o recém-terminado namoro. Os dias que precedem a noite de Natal são feitos de atos corriqueiros, como idas ao trabalho, cuidados ao bebê e pela parte da irmã, Jenny (Anna Kendrick), pensar em formas de reestruturar sua vida e aproveitar o quanto puder em um local que lhe é desconhecido.

Deste ponto Swanberg destrincha e subverte a noção de entretenimento, algo que John Cassavetes fez durante sua carreira. Porém, não se trata de uma reinvenção ou uma pobre sugestão de comparação entre os diretores. Há a noção em Happy Christmas que os conflitos são construídos sob a carcaça do tempo e da dormência que a rotina traz. 

São nas conversas entre Jenny e Kelly (Melanie Lynksey), esposa de Kevin e descontente com a posição de mãe e dona de casa, imersas na ideia de submissão e subestimação, sempre com o curioso contraponto vindo da presença de Carson (Lena Dunham) que Swanberg aponta um conflito. É na busca de Jenny por um novo lar e a percepção de amplitude, de enxergar enfim um novo mundo, que o filme oferece a contemplação, enfim, do que pode ser um “feliz natal”. Ao contrário de filmes como Hannah Sobe as Escadas ou Alexander The Last, as conversas são acompanhadas de ações, indo além de constatações sobre diversos assuntos e em especial, a vida em trocas de planos básicos do cinema como o plano-americano e o plano geral. 

Tudo em Happy Christmas parte de algum compromisso – cuidar do bebê, esperar a pizza no forno, ir à festa, trabalhar, escrever, se reinventar. São responsabilidades, que por menor que elas possam parecer e independente do tamanho do desejo de quem fará, trarão consequências. E só a rotina para ensinar estes valores, e por isso a aposta de Swanberg em subverter até mesmo o apelo comercial que um filme como esse traria, supostamente ideal para criar arcos dramáticos com ápices de comicidade. E é a escolha certa. Portanto, trata-se de um filme de família que tenta se aproximar – e que assume o fato de apenas “tentar” – de uma família de fato, sem a exigência da construção de personagens como pilares ou referências.  

Happy Christmas (Idem, EUA, 2014) de Joe  Swanberg

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