FILHA DE NINGUÉM





Hong Sang-Soo construiu uma carreira dedicada à essência. Suas características são intrínsecas com pouquíssimas variações de gênero. Os passeios turísticos sugeridos pelas locações logo dominadas pelos personagens, centralizados pela câmera e verborrágicos por necessidade. Os flertes com o drama e o humor inerente, assim como os temas de suas obras. Ela serve tanto como marca registrada e como desencanto em relação à identidade e existência.

Filha de Ninguém representa a sequência deste olhar particular de Sang-Soo sobre a trivialidade. Tal ideia é reforçada pelo apoio que o álcool traz à rotina de seus personagens. Não surpreende que as revelações sejam feitas quando o nível etílico ultrapassa os limites e o cinema deixa de ser o assunto principal em uma mesa de bar ou restaurante.  E nada disso é novo para quem já viu filmes como HaHaHa ou The Day He Arrives.

É notório que ao redor da trama Sang-Soo busca identificar ou resgatar uma tradição, algo visto com frequência nos filmes de Yasujiro Ozu. O ritual de encontrar os amigos, beber, conversar, caminhar até o local um questão sem qualquer mudança de tom também remete ao cinema do realizador japonês falecido em 1963. E Sang Soo fortalece a cada filme o domínio de um mundo que parece ser só seu, mas que reverbera tantos outros. E em Filha de Ninguém não é diferente. 

O que vemos é a busca de Haewon (Lee Seon Gyun) por uma aceitação abstrata, por mais que ela conquiste a todos à primeira vista por sua beleza e carisma. É lógico que a trama será desenhada num jogo – ainda – cativante da internalização de cada ação e o que ela significa para o outro, exibida em boa parte através de situações constrangedoras. 

O mundo dos estudantes de cinema bêbados, perdidos, apaixonados e dependentes segue o mesmo caminho e Sang-Soo se atem a eles como ilustrações, não como desdobramento ou consequência. É de extrema coragem que este mundo seja registrado por diversas óticas a cada filme e da mesma forma que Haewon, Soo procura uma verdade abstrata. O mundo do diretor pode parecer tão diferente a cada filme, mesmo utilizando a mesma fórmula intelectual.

Talvez não seja o caso de tornar o filme-referência desta busca sobre um mundo que não se tem respostas, mas Filha de Ninguém serve como digna continuidade e, como sempre, bem humorada, sobre a busca e a falta de respostas. 

Filha de Ninguém (Nugu-ui Ttal-do Anin Haewon, Coréia do Sul, 2013) de Hong Sang-Soo

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