SÃO SILVESTRE





Moldado por uma respiração ritmada que perdurará por todo o filme, São Silvestre mostra em seus primeiros minutos a preparação de atletas para o grande evento do dia 31 de dezembro. Ao redor, sua protagonista, São Paulo. Vazia, cinza, bucólica. Em contraponto, o suor e a pulsação dos corredores se espelharão no que há de vir.

O dia seguinte, um dia comum de trabalho mostra o pulso real da megalópole. O baile dos carros, os rostos rotineiros, a tradicional garoa paulistana, o trânsito, tudo está lá em abordagem poética e essencial para o documento de Lina Chamie. São Paulo parece não se importar com o evento, sua rotina é mais importante que qualquer exceção ou pausa de fim de ano. O caos faz parte de sua essência e nele sua identidade se faz. 

Quando, enfim, chegamos à corrida de São Silvestre, a câmera não muda sua função, ou seja, está para a visceralidade e para a poesia. Intercalando momentos destes pilares, São Silvestre busca a beleza no que é dormente, no que é comum, no que os olhos se recusam a ver. O esforço daqueles que correm por diversão e a tensão dos profissionais ganha a mesma importância. A vida ganha foco por suas vias mais importantes, ou seja, as ruas. 

Esta experiência estritamente sensorial é quebrada pela aparição diagonal do ator Fernando Alves Pinto, travestido de corredor. Sua presença frente à câmera remete ao cansaço físico e principalmente emocional que a maratona implica. Fernando balbucia canções e frases enquanto a câmera o engole. E esta quebra de representatividade onde a cidade enfim fica em segundo plano sugere o diálogo entre homem e seu caminho em sua forma literal, onde hoje pouco é notado. Chegar em casa ou no trabalho hoje é sinônimo de continuidade de alguma tarefa com ajuda de aparatos eletrônicos. E há muito deles na maratona, por incrível que pareça.

Portanto São Silvestre avança os limites de registro de um evento característico pela esperança carregada na data em que se realiza. O filme de Lina Chamie é sobre o dia-a-dia, a rotina e sua catarse, onde enfim se toma as ruas, onde se olha para rostos rotineiros, onde os carros estão estacionados e as luzes dos escritórios apagadas. Apenas vida, asfalto e claro, chuva.

São Silvestre (Idem, Brasil, 2013) de Lina Chamie
 

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