A SEPARAÇÃO


A sequência que abre A Separação dá a entender que a ruptura é de fato a de um casal. A partir de um fiapo de trama, Asghar Farhadi abrange esta idéia à emergente posição feminina na sociedade e a idoneidade em um país que ainda vive a ditadura de valores religiosos.

Farhadi coloca seus personagens sobre intensa suspeita. Certo e errado ganham dimensões abstratas. Ao mesmo tempo em que dividem protagonismo e antagonismo a cada reviravolta do roteiro, eles ganham desconstruções existenciais e políticas (por exemplo: um senhor com Alzheimer pode ser a representação do fim e a opressão que inibe as articulações da vida de seu filho Naader (Peyman Moaadi), acusado de agredir Razieh, encarregada dos cuidados médicos de seu pai) na cena seguinte. Com a liberdade de representação devidamente construída, Farhadi aborda a cada quadro o gene de ações cotidianas.

A duplicidade rege a narrativa quando Farhadi retoma e insere os valores familiares ao mote investigativo do filme. Vidas são banalizadas por aqueles que zelam os necessitados. O orgulho é o âmago da batalha e a religião é a única força capaz de diluir posturas pragmáticas ao acontecimento. A força de A Separação está na intensidade que o diretor comanda este mosaico de referencias. Humanizar e distanciar o julgamento de todos os personagens torna o filme ainda mais instigante.

Consequentemente sem ritmo por conta da repetição deste exercício no último ato devido sua longa duração - como uma tensão entre construção e expressão -, A Separação é um filme que remete a idéia de ciclo, de incompetência e fraqueza. O julgamento, sugerido pelo diretor, vem do público. Os motivos para esse sintoma também devem ser abraçados por nós. Mas, da mesma maneira que os personagens estão sob julgo (e júdice), nós, espectadores, somos domados pela ação passiva do voyeurismo, sem força de decisão.

★★★★★
A Separação (Jodaeiye Nader Az Simin, Irã, 2011) de Asghar Farhadi

3 comentários:

  1. Adorei a crítica, Pedro! Acho que captou muito bem o espírito do filme, essa coisa de colocar o espectador como juiz (literalmente – no caso da cena inicial – e metaforicamente), e ao mesmo tempo deixá-lo numa situação em que é impossível julgar.

    Só queria que você me tirasse a curiosidade: percebi que você deu uma avaliação de quatro estrelas e meia pro filme. Por que tirou a meia estrela? rs

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  2. Só pela troca de ideias: o que eu achei do filme – bit.ly/wrXglE

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  3. Achei perfeito este filme. Sincero e realista.
    Não nos poupa de sentimentos. Não existe vilão!

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